Alguns comentários sobre o conceito de “Compensação”

 

9 de agosto agosto de 2010

O termo “compensação” é muito utilizado no entre os junguianos, constituindo um dos principais conceitos relacionados a dinâmica psíquica. Por isso, devemos nos deter um pouco sobre esse conceito.

Uma “herança” Adleriana

Em vários pontos de sua obra, Jung, faz referências a Alfred Adler e de sua importância para o desenvolvimento tanto da psicologia analítica quanto para psicologia contemporânea. Infelizmente, no Brasil não temos contato com o pensamento adleriano, isto é, com a Psicologia Individual.

Jung se referia a Adler como um dos primeiros e  mais brilhantes discípulos de Freud, Adler se destacou no grupo psicanalítico de Viena por questionar a etiologia sexual das neuroses. Os primeiros estudos de Adler, o levaram o conceito de “inferioridades orgânicas”, que propunha que assim como quando algum órgão apresenta alguma deficiência, o organismo tenta “repará-la” pelo funcionamento de outro órgão ou sistema, como por exemplo, indivíduos cegos que desenvolveriam um tato e audição mais apurados, para reparar (ou compensar) essa “inferioridade orgânica”.

A proposta inicial de Adler era que as neuroses se originariam de uma tentativa de reparação a essas “inferioridades orgânicas”. Posteriormente, Adler ampliou seus estudos acerca das inferioridades, para o seu aspecto psicológico, que seria um “sentimento de inferioridade”, que foi compreendido e designado como um “complexo de inferioridade”.

Adler apontava que havia um mecanismo natural de reparação ou compensação as “inferioridades”, a história estaria repleta de indivíduos que compensaram sua inferioridade orgânica, como Demóstenes que apesar de ser gago se tornou um dos maiores oradores gregos, ou Napoleão Bonaparte, que apesar de sua baixa estatura se tornou um grande general. Assim, a compensação teria um objetivo no desenvolvimento e adaptação do individuo.  Quando a compensação era insuficiente se instauraria a neurose. Adler focou sua teoria nas relações sociais, de poder e  adaptação social, sugerindo que o impulso ou busca pela superioridade – isto é, compensação da inferioridade – seria  o principal objetivo da vida. A ênfase de Adler nos processos de adaptação relacionados aos interesses sociais, fez com que o conceito de inconsciente e os conflitos intrapsíquicos perdessem espaço em sua teoria.

Duas contribuições de Adler foram a respeito da finalidade dos fenômenos psíquicos( teleologia) e a respeito da compensação. Apesar dessas contribuições, o caminho que Adler e Jung seguiram no desenvolvimento desses conceitos foram bem distintos. Mesmo assim, Jung frequentemente rendia tributos a importância dos trabalhos de Adler.

Apesar de reconhecer as contribuições de Adler, Jung compreendia que o pensamento adleriano sofria do mesmo mal que a psicanálise que ele combatia, a unilateralidade. Assim como Freud restringia seu pensamento a sexualidade, Adler focou sua teoria na questão do poder.

A “compensação” em Jung

Jung compreendeu que a compensação não estaria restrito nem  a sexualidade nem a vontade de poder.  A compensação é a expressão mais própria da auto-regulação psíquica. Isto é, uma forma do inconsciente se relacionar com a consciência de modo a promover a manutenção da saúde psíquica. Acerca do conceito de compensação Jung afirma que,

considero-o em geral como equilibração funcional, como auto-regulação do aparelho psíquico. Nesse sentido, considero a atividade do inconsciente como equilibração da unilateralidade da atitude geral, causada pela função da consciência. (JUNG, 1991, p. 399)

Via de regra, a compensação pelo inconsciente não é um contraste, mas uma equilibração ou complementação da orientação consciente. O inconsciente dá, por exemplo, no sonho, todos os conteúdos constelados para a situação consciente, mas inibidos pela seleção consciente, cujo conhecimento seria indispensável para a consciência se adaptar plenamente.

Em situação normal, a compensação é inconsciente, isto é, atua de forma inconscientemente reguladora sobra a atividade consciente. Na neurose, o inconsciente está em contraste tão forte com a consciência que a compensação fica prejudicada. Por isso a terapia analítica procura um conscientização de conteúdos inconscientes para restabelecer a compensação. (JUNG, 1991, p.400)

É importante termos cuidado para não confundirmos compensação com substituição. A compensação é uma dinâmica natural que é visa o equilíbrio energético do psiquismo, muitas vezes, a compensação aponta para as deficiências do ego, de modo, a naturalmente reorientar a atitude da consciência. A compensação impele o individuo ao enfrentamento do inconsciente, de sua realidade psíquica, promovendo o desenvolvimento do individuo. Por exemplo,um individuo que está numa atitude rígida querendo comprar um notebook a todo custo, mesmo sabendo que financeiramente não é o momento adequado, briga com a esposa, enfim, cristaliza-se em uma decisão de comprar o notebook independente da sua necessidade e possibilidade. A noite ele sonha que andava por uma rua com um notebook, quando é rendido por assaltantes, que tomam dele o notebook e atiram nele. O individuo acorda assustado, repensando a compra do notebook. A compensação não serve ao Ego, mas, sim a totalidade psíquica.

Por outro lado, a substituição é um mecanismo de defesa do Ego, que visa proteger e manter a integridade do mesmo. No caso da substituição, quando o Ego é privado ou não possa possuir de um objeto de desejo, o afeto que era destinado a esse objeto é deslocado inconscientemente para outro objeto, que geralmente se assemelha com o objeto anterior. Um exemplo, um individuo que via no trabalho sua razão de viver, se aposenta. Após alguns dias de instabilidade e começa a se dedicar a participar das atividades de sua igreja. Nesse caso, a substituição do trabalho pelas atividades da igreja, visa diminuir a ansiedade/frustração do Ego, permitindo a elaboração do luto em relação perda da função que exercia.

É através das manifestações da compensação é que podemos compreender a dinâmica psíquica.

Referencias bibliográficas:

JUNG, C.G. Tipos Psicológicos, Vozes, Petrópolis, 1991.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

www.psicologiaanalitica.com

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