150 anos de Carl Gustav Jung

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Em um mundo que medicaliza o sofrimento, quantifica a alma e apressa o tempo da escuta, celebrar os 150 anos de Jung é mais do que relembrar sua biografia é insistir em sua ética.

É lembrar que a psicologia nasceu como resposta à dor e não como instrumento de correção. Que o inconsciente, em Jung, não é apenas um depósito de conteúdos reprimidos, mas uma instância viva, criativa, simbólica. É lembrar que os sintomas não devem ser silenciados, mas escutados. E que cada sonho, mesmo o mais desconcertante, pode carregar um gesto de cuidado da psique para consigo mesma.

Carl Gustav Jung nasceu em 1875, na Suíça. Filho de um pastor protestante e marcado por uma infância solitária, foi desde cedo atravessado por experiências interiores profundas – fantasias, visões, sonhos que mais tarde reconhecerá como fundamentais na constituição de sua psicologia. Médico por formação, rompeu com Freud quando percebeu que o inconsciente não se limitava ao âmbito sexual. Fundou então a psicologia analítica, onde o símbolo ocupa o lugar de ponte entre consciente e inconsciente, e onde a alma é tratada como realidade viva e autônoma. Jung não foi apenas um teórico: foi um clínico, um sonhador, um buscador incansável do sentido. Seu percurso pessoal é repleto de rupturas, viagens, confrontos internos e isso faz parte inseparável de sua obra.

Mais do que uma teoria, a psicologia analítica oferece uma posição ética diante da vida psíquica: escutar o sofrimento como expressão de sentido, como travessia arquetípica, como convocação à transformação. Não é à toa que Jung afirmava que o verdadeiro objetivo da psicoterapia não era a adaptação do paciente à realidade, mas a individuação, esse processo profundo de reconexão com o centro simbólico da personalidade, com aquilo que nos torna únicos, mesmo quando fragmentados.

No cenário contemporâneo, essa proposta se torna ainda mais urgente. Vivemos tempos de dissociação generalizada, de aceleração crônica, de uma psicologia que, muitas vezes, se distancia da alma em nome da eficácia. Vemos a psiquiatrização da vida cotidiana, o imperativo da felicidade, o colapso da interioridade. E é nesse contexto que Jung volta a ser escandalosamente atual.

Sua psicologia não promete alívio imediato. Ela convida à travessia. Convida a olhar a dor de frente, sem moralismo nem tutela. Convida a reconhecer que o inconsciente também sofre, e que o trabalho clínico não é corrigir esse sofrimento, mas dialogar com ele. Criar espaço simbólico. Recuperar o vínculo. Dar forma àquilo que, até então, só doía.

Jung nos lembra que a psicoterapia é antes de tudo um encontro entre duas almas. Que a cura não está na técnica, mas na presença. Que o analista não é aquele que interpreta com superioridade, mas aquele que acompanha com humildade. E que o sentido não se impõe, mas se revela, quando há espaço para escutá-lo.

Neste aniversário de 150 anos, não celebramos apenas o nascimento de um pensador. Celebramos a vigência de uma ética. Uma ética que resiste à banalização do sofrimento. Que sustenta o silêncio antes da palavra. Que escuta o trauma como imagem simbólica. Que reconhece, no colapso do eu, a possibilidade de reencontro com o Self.

Celebrar Jung é lembrar que o sofrimento tem linguagem. Que todo sintoma carrega uma imagem. Que todo afeto é também expressão de uma história. Que dores não suplantam a subjetividade e história.

Por isso, mais do que uma efeméride, este marco é uma convocação.

Convocação para que a clínica seja espaço de simbolização e não de adaptação.
Convocação para que a psicologia recupere sua alma.
Convocação para que o cuidado psíquico reencontre sua raiz ética, onde o outro não é objeto de intervenção, mas sujeito de sentido.

Jung segue vivo onde há escuta. Onde o vínculo se torna campo simbólico. Onde a dor encontra uma linguagem que não a moralize, mas a acolha.

Psicóloga Clínica e Neuropsicóloga. É graduada em Psicologia pelo IBMR e com especializações em Psicologia Analítica; na área de Perinatalidade; em Psicologia Sexual; e Especialista em Psicologia do Desenvolvimento Infantil e Adolescente, e Familia e Casais. Possui uma especialização em Neuropsicologia e Reabilitação Cognitiva. No Cepaes, oferece atendimentos online. (Atendimentos presenciais disponíveis no RJ).

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