As Quatro Etapas ou Processos em Psicoterapia – Notas para Grupo de Estudos

Em abril de 2024 começamos um grupo de supervisão e estudos clínicos, nesse post (em outros futuros) trago apenas as anotações que fiz para a discussão dos estudos clínicos.  

No primeiro encontro optei em falar acerca das quatro etapas da psicoterapia( confissão – esclarecimento – educação – transformação) , descritas por Jung no livro A prática da Psicoterapia (no capítulo “Os problemas da Psicoterapia Moderna”). E contrastando com algumas contribuições importantes de Kenneth Lambert, no livro Analysis, Repair and Individuation, que nos chama atenção que seria mais apropriado chamar as “etapas” de processos – pois, não ocorrem de forma linear começando na confissão em direção a transformação, tão pouco refletem momentos estabelecidos na análise, e algumas vezes, as 4 processos podem ser percebidos numa mesma sessão.  

Confissão  

A confissão é um processo correlato ao uso religioso, isto é, a exposição de um segredo pessoal.  
Jung diz “Um segredo partilhado com diversas pessoas é tão construtivo, quanto destrutivo é o segredo estritamente pessoal.” p.54 

Ou seja, o segredo coletivo integra, dá um sentido  de identidade e sentimento de pertença. O segredo pessoal, por outro lado,  é exatamente o oposto, segrega, despersonaliza e exclui. E, aponta três formas do “segredo pessoal” 

  • Consciente: que gera angústia e culpa   
  • Inconsciente – associado aos complexos, que veremos se manifestar no sintoma neurótico e impulsos inconscientes.  
  • Contenção ou repressão dos afetos 

A confissão se caracteriza pelo método catártico, ou seja, pela descarga emocional (ab-reação) que tiraria o indivíduo de sua miséria pessoal e liberaria os afetos possibilitando a renovação da energia psíquica na consciência.  

Como processo,  Lambert, (1981, p. 29), destaca três elementos que devemos ter atenção:  

  1. que o método catártico a longo prazo cair em repetições das descargas emocionais, se tomando muitas vezes o eixo do tratamento. E, assim, com Jung aponta, gerando a dependência da figura do analista. Tornando necessária o esclarecimento ou elucidação.  
  1. Tem uma eficiência limitada com pacientes  defensivos, onde a resistência se impõe como uma proteção escondendo a culpa ou emoção inconsciente. A resistência pode impedir a confissão ou impedir a elaboração do conteúdo, mantendo o paciente circularmente preso no processo catártico.  

Jung afirma o método catártico devolve à consciência conteúdos que seriam próprios a consciência.  

Elucidação ou Esclarecimento 

Jung indica dois aspectos fundamentais para pensar a elucidação: 

  • Fixação em etapas infantis do desenvolvimento – falamos de uma percepção da necessidade de compreender o processo de amadurecimento, os complexos e, assim, nos deparamos com o problema da sombra, que se opõe ao ego, e aponta para o que o individuo é, mas não reconhece.  
  • A transferência é o aspecto dinâmico onde esses conteudos podem ser acessados.  Vale ressaltar que hoje compreendemos que não há transferência sem contratransferência, são um único processo, de uma relação intersubjetiva. Logo, a contratransferência é um indicativo importante para pensar o processo de elucidação.  

A contratransferência é  um fenômeno fundamental para a elucidação até para o desenvolvimento da interpretação , pois, como Fordham indica, a interpretação é um processo que envolve uma relação dialética com o paciente assim como uma dialética interior com os conteúdos que emergem na contratransferência – a partir dessa relação dialética que se constrói uma interpretação válida.  

  • Outro método importante no contexto da elaboração seria a reverie, mas falamos noutro momento.  

Jung é naturalmente crítico com Freud, até por se tratar de um texto de 1929 e pela rigidez do pensamento freudiano. Mas, apesar da crítica, ele aponta a importância do método redutivo/interpretativo pois, a intepretação é fundamental no campo do esclareceimento, que é a característica do processo elucidativo. Sobre o método redutivo. 

– O método redutivo ou causal visa compreender o processo de desenvolvimento, as fixações infantis, integrar os complexos a partir da compreensão das relações – especialmente parentais que geraram os condicionamentos que fixaram ou prejudicaram o amadurecimento, contribuindo assim para o processo de adoecimento.  

– Quando um junguiano usa o método redutivo-causal, este diferencia-se da psicanálise, pois não visa fases psicossexuais, mas a constituição história do individuo, isto é, os complexos, algo propriamente junguiano. 

–  Lambert utiliza o termo reconstrução para falar da importância do processo de integração da história do individuo, para se apropriar da mesma.  

– a análise redutiva se aplica a todos os fenômenos psíquicos (sintomas, sonhos, fantasias, defesas etc.)  

Desse modo, a gente pode pensar essa afirmação de Jung. 

Nada mais ineficaz do que idéias intelectuais. Mas quando uma idéia é uma realidade psíquica, ela vai penetrando furtivamente nas mais diversas áreas, aparentemente sem a menor relação causal histórica. Nessa hora, é bom prestar atenção. Porque as idéias que são realidades psíquicas representam forças irrefutáveis e q, do ponto de vista da lógica e da moral. São mais poderosas do que o homem e sua cabeça. (Jung, p. 62) 

Quando falamos da análise redutiva o uso junguiano  é muito diferente do que Freud propunha, pois não falamos de algo fruto da intervenção teórica (como aparentemente Jung acusa Freud fazer, e muitos psicanalistas faziam), como falamos acima, visa a relação dialética com o paciente, do paciente com sua história e do analista com os conteúdos que emergem na contratransferência. A análise redutiva visaria tanto a reconstrução (apropriação da própria história do indivíduo de forma simbólica – narrativa e afetos), ao que a série de interpretações levariam a integração dos inconscientes e a consciência – a partir da contratransferência.  A análise redutiva quase sempre levará a uma consideração construtiva.  

Inclusive, a crítica de Jung não se aplicaria a psicanálise contemporânea, tal qual vemos em Bion/Ogden, p.ex., cuja relação simbólica é enfatizada, para além dos processos de racionalização que eram inicialmente utilizados.  

Com frequência, a catarse necessita de elucidação – p.ex. quando emoções emergem no paciente, como raiva ou tristeza, através do choro, é importante trazer um contorno e simbolizar o afeto com uma representação que o ego possa elaborá-los.  

Educação 

É  associado aos processos de adaptação social ou de relações sociais.  

“Generalizando, as pessoas sem dificuldades na área do ajustamento social e da posição social podem ser analisadas pelo prisma do prazer com maior probabilidade de acerto, do que as que se encontram num estágio insuficiente de adaptação, isto é, as que, devido à sua inferioridade social, têm necessidade de prestígio e poder”. Jung P.63 

Jung não define claramente o que ele chama de educação, contudo, temos esse processo de aprendizado tanto em relação às questões sociais.  

No geral, quando passamos “dever de casa” para os pacientes, estamos exercendo essa função educacional. Na verdade, o paciente ter a dimensão de sua capacidade de enfrentamento, se readiquirir a confiança em si mesmo. Ou seja, faz parte do fortalecimento do ego.  

Transformação

Lambert pontua que que as três processos anteriores fazem parte de um grupo e a transformação faz parte outra. Vejamos os pontos: 

1 -Jung aponta que o normal ou ajustado é estar na média, ao que vai dizer “ Consequentemente, existem dois tipos de neuróticos: uns que adoecem porque são apenas normais e outros, que estão doentes porque não conseguem tornar-se normais.”p.67. podemos compreender q esses processos como a inicial do tratamento, quando muitas vezes ainda é necessário reforçar o Ego e garantir a segurança diante dos “ameaças interiores” e um ambiente hostil. 

2 – Jung apresenta um campo relacional mais profundo onde a contratransferência começa a ganhar contornos nítidos. Onde a personalidade do analista se torna fundamental.  

É que, queiramos ou não, a relação médico-paciente é uma relação pessoal, dentro do quadro impessoal de um tratamento médico. Nenhum artifício evitará que o tratamento seja o produto de uma interação entre o paciente e o médico, como seres inteiros. O tratamento propicia o encontro de duas realidades irracionais, isto é, de duas pessoas que não são grandezas limitadas e definíveis, mas que trazem consigo não só uma consciência, que talvez possa ser definida, mas, além dela, uma extensa e imprecisa esfera de inconsciência. Esta é a razão por que muitas vezes a personalidade do médico (como também a do paciente) é infinitamente mais importante para um tratamento psíquico do que aquilo que o médico diz ou pensa, ainda que isso não possa ser menosprezado como fator de perturbação ou de cura. O encontro de duas personalidades é como a mistura de duas substâncias químicas diferentes: no caso de se dar uma reação, ambas se transformam. Como se espera de todo tratamento psíquico efetivo, o médico exerce uma influência sobre o paciente. Influir é sinônimo de ser afetado. De nada adianta ao médico esquivar-se à influência do paciente e envolver-se num halo de profissionalismo e autoridade paternais. As sim ele apenas se priva de usar um dos órgãos cognitivos mais essenciais de que dispõe. De todo jeito, o paciente vai exercer sua influência, inconscientemente, sobre o médico, e provocar mudanças em seu inconsciente. (Jung, p68) 

Isso da margem para inúmeras possibilidades – inclusive de resgatar o que Jung diz no ab-reação…  “ o paciente só suporta o que o médico for capaz de suportar” – a contratransferência assume uma função fundamental no processo. Pois, é o que o que somos é ativado pelo inconsciente do paciente, de modo a podermos fazer a função transcendente para o paciente.  

3 – Jung apresenta a questão ética para o analista em passar pela analise, ter essa relação de coerência consigo mesmo.  Pois, sombra no analista constela a sombra no paciente.  

4 – ou seja, a autocritica, autoavaliação é fundamental para o analista. 

O processo de transformação tem como método a “autoeducação” que poderia ser pensado como o diálogo interior, com a capacidade de se perceber e se relacionar consigo mesmo. por certa uma perspectiva, a autoeducação alinha-se com a o processo de individuação, onde há uma construção de originalidade, que uma relação mais profunda e equilibrada consigo mesmo. 

Nesse ponto é algo que é imprevisível, pois, as implicações se tornam tão individuais que sempre cada caso será particular. Desenvolver a capacidade de nos relacionarmos e nos adaptarmos aos processos do paciente nos possibilita o manejo e auxiliar a autoeducação. 

Referências bibliográficas

JUNG, A Prática da Psicoterapia,Petrópolis: Vozes, 1999.

LAMBERT, K, Analysis, Repair and Individuation, London: Academic Press, 1981. 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Especialista em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador de Grupos de Estudos Junguianos. Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 99316-6985.

e-mail: fabriciomoraes@cepaes.com.br

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